domingo, 24 de novembro de 2013

A pintura de AluaPólen

[Texto escrito para acompanhar a exposição de pintura de AluaPólen, no Teatro de Vila Real até fim de Dezembro de 2013]

Com um percurso de trinta anos nos caminhos da pintura, a dupla AluaPólen tem lavrado trilhos dentro das duas coordenadas que a distingue desde o princípio: a força das cores, um caos concertante.

Sendo mais recorrente o jogo cromático de contrastes, alguns deles bem inesperados, também exploram as tonalidades de uma cor só, interrompida por notas soltas ou isoladas de outra cor, pontos de fuga que instituem um movimento perpétuo de concentração/descentração entre si e com o resto da composição. Rapidamente se torna evidente a preferência pelo azul, ora afirmando a referencialidade explícita ao mar e ao céu, ora firmando sugestões espaciais de infinito e de paisagens do sonho, num efeito de evasão mesmo quando o motivo, figurativo ou não, aponta para uma desordem do mundo exterior e interior.

Este caos afirma-se num singular tratamento do espaço urbano e da natureza. A cidade, em que se reconhece ascendência compositiva de Hundertwasser e de Vieira da Silva, não é apenas o Porto (cidade de eterno retorno) nem qualquer cidade devastada. É uma urbe em construção, um Porto — porto — aberto a todas as cidades-lugares de construção de sonhos. E quando o fechamento se insinua em aglomerados habitacionais densos, lembrando por vezes a reclusão do castelo, lá estão a energia de cores joviais, as pontes, os andaimes, a suspensão palafítica a conduzir-nos para uma atmosfera onírica libertadora.

A natureza declara-se pontualmente em aves e peixes, nas paisagens de montanha, mas sobretudo nas árvores. Em árvores de Inverno, de perfis hieráticos ou inclinadas pelo vento agreste. De silhuetas dramáticas, despidas de folhas, configuram monstros do imaginário primitivo que nenhuma vivência urbana oblitera, quando muito apenas adormece. A abertura do subterrâneo das árvores, ao expor torrões-ovos e raízes, consolida a sua antiga simbologia de Vida e propõe que só mantendo as nossas raízes nos manteremos de pé. Estas árvores são o traço distintivo mais assinalável dos AluaPólen, são a sua assinatura.

Reparar-se-á na ausência do humano nesta pintura. De facto, as cidades estão despovoadas de gente, mas adivinhamos-lhe a presença; a natureza é sem gente, mas oferece-nos os impulsos vitais: beleza e valores da raiz. As pontes — quase omnipresentes — são uma tentativa humana de unir o que está ou é separado, o humaníssimo gesto de reconciliação do mundo e com o mundo.

Importa salientar outra sensação que se vai instaurando ao percorrermos esta exposição. É o movimento, circular nas composições em vórtice, aleatório em manchas cromáticas vibrantes, que sugere um mix das infindas espirais de Bach e de acordes psicadélicos. Talvez seja essa música que anima continuamente o caos, que o detém em formações do cosmos que nos transporta para uma percepção do chaosmos (como diria Joyce) para representar a radical ambivalência do mundo.


[AluaPólen são Paula Dacosta (Alua) e Manuel António (Pólen). Residem há anos em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês.]