sábado, 27 de abril de 2013

«Quem não viu Sevilha não viu maravilha»

O ditado é conhecido por muitos e imediatamente reconhecido pelos visitantes. No entanto, foi com o verso «Eran las cinco en punto de la tarde» de Federico García Lorca, no seu poema Pranto por la muerte de Ignacio Sánchez, o toureiro colhido na Real Maestranza, a praça de touros da cidade, que entrei na cidade.
A esta hora só há duas espécies de tontos nas ruas: os turistas e os taxistas. Os sevilhanos, em geral, dormem a sesta, necessariamente prolongada nesta terra de microclima sahariano. A ausência de ruído em avenidas tão rasgadas interroga-nos; as carroças dos cavalos que descansam em fila e sacodem as moscas com crinas nervosas lembram que a terra tem no turismo o seu maior capital. Et pour cause. Na verdade, são múltiplos os atractivos entre os quais se destaca o testemunho arquitectural do criativo diálogo entre as duas culturas dominantes ao longo da história: a mourisca e a cristã. A catedral — imponentemente católica — e a sua torre árabe, a Giralda, são mostras da convivência de moros y cristianos. Los Reales Alcázares e os seus jardins ostentam filiação magrebina no traçado, na presença de pátios com águas rumorejantes. Em todos os azulejos há a assinatura mourisca sobre fundo cristão ou vice-versa, consoante o olhar do observador.
Pelas seis da tarde, a cidade redesperta e embala num ritmo frenético, onde se agitam curiosos, quem trabalha, quem se diverte. O trânsito anima-se. Nos bares, estalam as sílabas veementes da língua espanhola. E o calor andaluz abrasa tudo.
Um passeio pelo bairro da judiaria mostra uma tendência hoteleira actual: recuperar e adaptar as velhas construções às necessidades e gosto estético actuais. Uma das unidades cota 17 mil metros quadrados com 11 casas, distribuídas por 5 ruas e 40 pátios. É um hotel-bairro, uma oferta turística a ser seguida por cidades com recursos históricos semelhantes, como Lisboa.
À hora de jantar, embora o ar seja ainda sufocante, a multidão apinha-se nas esplanadas, bailarinos e músicos ateiam nos peitos dos espectadores o fogo que arde na alma do flamenco, barcos de passeio sulcam o Guadalquivir, por onde outrora entraram nomes sonantes da navegação universal. Por entre a música, o rumor crescente dos automóveis, os sons desta Babel ardente, ouve-se o trote dos cavalos que passeiam turistas, levando-os aos pontos de interesse, com privilégio da arquitectura da Exposição Ibero-Americana de Sevilha, em 1928, as praças de Espanha e da América, o pavilhão de Portugal, agora transformado em consulado.
À frente da estátua dos três amores de Bécquer, no parque Maria Luísa, ocorre-me que tenho de ler este poeta, o mais reverenciado pela cidade, para verificar até que ponto é que conseguiu converter a alegria jubilosa que transborda pelas bermas deste lugar festivo nos cânones da melancolia romântica.
Cerca da meia-noite, saboreio as primeiras carícias de brisa, ocorre-me também o quanto devemos agradecer todo o momento que passamos em Paz, pois quem desfrutaria as maravilhas de Sevilha sob a ameaça da guerra?