quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Voando sobre um ninho de cucos

Para ti, para quem a burocracia é inútil, porque cumpres mandamentos da tua consciência, proponho-te esta ordem de trabalhos.

PONTO UM: abrir as asas e arejar bem as penas fofas, fazer um voo rasante às cabeças dos presentes (resistindo à tentação de lhes bombardear a cornadura), anunciar-lhes chuva e pardas recordações, depositar-lhes ovos no ninho dos falsos escrúpulos, jungi-los às suas silhas rangentes e aos seus cargos pleonásticos de plástico, deixá-los a afiar os dentes rapaces e a polir o pêlo ralo dos chefes nos desvãos infectos da intriga, servir-lhes uma ceia em que todos (se) possam lambuzar (e sempre com a parelha bem arreada de vantagens). Eis o menu:
Entradas:
Má-língua à Narciso
Folhado de mexericos
Pastelão de lisonja à louvaminheiro
Pratos Principais:
Coxa de incompetência em cama de invejas apuradas
Vol-au-vent de ordens de serviço incongruentes
Lombo de maus exemplos com batatinha de frustração
Sobremesa:
Baba de reuniões improfícuas com redução de rigor
Crepe de complicações inúteis
Fofo de inépcia em coulis de encomiasta

PONTO DOIS: pedir-lhes que dêem uma volta exacta nos seus cascos e deixá-los assim sérios e graves circunloquiando a marcha fúnebre da manada.

PONTO TRÊS: prepararíamos voo alto, certamente mais pesados, porque estas alimárias, ao ver-nos alados, rechear-nos iam os ossos com pedras, e migraríamos rumo a cidades onde houvesse jardins, bibliotecas, catedrais e grandes esplanadas junto de rios onde pudéssemos mergulhar os bicos sedentos de águas claras. E voaríamos, voaríamos, pousando no dorso de qualquer coisa longínqua bordada a ponto de vontade de estar juntos, tecida nos antípodas destas salas de empalhar paciência.

E nada mais havendo a retra(c)tar, dar-se-iam por encerradas definitivamente todas as sessões de faz-de-conta-que-temos-poder-para-decidir sobre coisas que hoje são o último grito do luxo e amanhã serão alegremente despejadas no lixo.